sábado, 19 de maio de 2012

Capítulo 68

PAPARAZZO NA PONTE

Quando Darligton venceu os mais de trinta metros que o levavam da cabeceira ao meio da ponte, deu de cara com os seis companheiros que tinham realizado a proeza do ônibus da Onda. Já não usavam capuzes nem máscaras.

O primeiro a ir ao seu encontro foi Tutti Berttucci, o irmão mais moço de Grazziella. Darlington estendeu-lhe a mão para um cumprimento cordial. Tutti manteve as dele para trás e fez cara de paisagem:

- Cadê as fotos e os negativos?
- Calma, meu faixa. Tu és o chefe, agora? Então, cadê a grana? Quanto rendeu a proeza do ônibus?
- Coisa de 7 mil dólares, relógios, canetas, isqueiros e uns bagulhos...
- Serve tá bom. Passa pra cá.
- Cadê as fotos?
- Aqui. Tão aqui comigo.

Darlington levou a mão ao bolso de dentro da sua jaqueta de tecido leve. O movimento causou arrepio no grupo que se fechou em círculo, apertando os dois interlocutores no meio.

Darlington, ao mais puro estilo Errol Flynn, não demonstrou medo nem afobação. Tirou o envelope amarelo do bolso e, com um sorriso irônico, o passou para Tutti.

Os outros não sabiam que fotografias eram aquelas que o amigo deles tanto desejava. Verdade seja dita: Darlington chantageara o pai de Tutti o tempo todo, mas nunca descumpriu a promessa do sigilo absoluto. Ele era bom nisso.

Só ele e o pai de Grazziella conheciam as fotos. Nem Grazzi, nem Vinícius, protagonistas de toda a trama e pegos com a boca na botija, tinham posto, jamais, os olhos nas fotos. Só tinham visto aquelas imagens, só sabiam quem estava nas fotografias, o próprio Darligton, Silvia e Dom Fernando Berttucci.

Os três e, claro, o que melhor sabia delas: Paparazzo, o fotógrafo do flash invasor estúpido da varanda da suíte na mansão dos Berttucci.

O Paparazzo que agora escarafunchava o conteúdo do envelope: ele mesmo, Tutti Berttucci, irmão de Graziella; filho de Dom Fernando. Sócio-coadjuvante do chantagista que extorquia seu próprio pai.

Parceiro de Darlington desde que ambos planejaram aquela esparrela que acabou fugindo do controle de tudo e de todos, desde então, Tutti foi atrevidamente apelidado de Paparazzo por Darlington.

A gangue não sabia de nada disso. A chantagem nunca viera a furo. Tinha apenas mudado de vítima. Tutti fora colocado por Darlington no lugar do pai. Todas as roubalheiras e façanhas da bandalha podre eram cometidas em nome do espírito de aventura, do papel de juventude transviada. A turma pensava que estava ajudando Tutti a pagar uma dívida de jogo para Darlington.

Agora ali, em cima da ponte, Tutti - o Paparazzo, não gostou do que não viu dentro do pacote:

- Carinha, não brinca com fogo. Tu vai te queimar. Cadê os negativos?
- Eles valem muito mais que essa merdalhada que vocês me trouxeram aqui.
- Tu vai te dar mal. Deixa de filhadaputice!
- Tá bem, tô tremendo de medo. Faz o seguinte, quando vocês tiverem mais grana eu dou os negativos. Tchau e benção, meus camaradinhas.

Dito aquilo, fez menção de dar meia volta para sair em direção ao banhando que circundava a ponte. Parecia querer voltar para Realeza do Sul. A roda humana ficou mais estreita em torno dos dois. Ele e Tutti se olharam com raiva intensa. Aí, um quis bater na cara do outro. Houve um soco fortíssimo.

O que foi atingido estatelou-se no cimento da ponte. O que estava caído ia levar o segundo murro. Puxou o revólver Taurus.38 e atirou de baixo para cima. A bala entrou na axila do agressor, exposta e aberta pelo ensaio de um novo soco que já seria desferido no desafeto.

O impacto foi forte e doloroso. O ferido gemeu e caiu de bruços, já estertorando sobre a mureta da ponte. Ficou debruçado ali por um longo momento. Ia despencar. A queda não tinha menos de vinte metros de altura.

Estranho que não olhasse para o grupo que a tudo assistia atônito e momentaneamente paralisado. Seus olhos pareciam procurar alguma coisa, ou alguém, lá embaixo, bem onde começava a ponte. Perto do lugar onde o táxi deixara Darlington há poucos instantes.

O que levou o balaço já não reagia. Sabia que estava morrendo. Foi assim, olhando triste e incrédulo naquela direção que deu seu último e longo suspiro. Ele teimava em viver. Não deu. Morreu naquela posição. Não despencou.

O autor do disparo juntou-se ao grupo que se acotovelou no Simca Chambord, marrom e bege, ton sur ton. Não restou ninguém na cena do crime. O carro zuniu na direção de Remanso dos Palmares, cidade limítrofe com o contrabando guarani – um ponto de venda de produtos paraguaios.

O lugar ainda não era o free shopping popular que surgiria bons anos depois para gáudio de simplórios compradores e de avarentos repassadores das quinquilharias do lado de lá da fronteira.

Na pressa da fuga, eles nem viram que uma Lambretta, com uma mulher na direção, arrancava detrás dos arbustos à margem da cabeceira da ponte, em louca disparada rumo a Realeza do Sul.
 

Capítulo 69

CRIME NA PONTE


Silvinha não estacionou, simplesmente largou a Lambretta junto ao meio-fio da calçada. Esbaforida ignorou o elevador, subiu a escada de dois em dois degraus e entrou aos prantos no apartamento que dividia com Darlington. A primeira coisa que fez foi telefonar para o advogado de todas as horas, pondo o coração pela boca:

- Doutor Daorla...Mataram Darlington! Mataram Darlington! Mataram ele!!
- Hein, como?!? Calma...
- Acho que foi ele. Acho que ele tá morto, doutor! Morto!!!
- Você não tem certeza?
- Eu vi tudo de muito longe, doutor. Acho que foi ele. Só pode ter sido ele.
- O que houve?
- Ele foi morto. Se não ele teria corrido pra mim...
- E onde ele está agora?
- Se não foi ele quem fugiu no carro, ele está morto lá na ponte – ela alimentava agora um fio de esperança de que Darlignton tivesse entrado na marra dentro do Simca.

Em menos de meia hora – de roupão sobre o pijama – Daorla já estava no local do crime. A ponte fora aparentemente interditada. O trânsito interrompido. Subiu até aonde ainda se encontrava o corpo, preso pela rigidez da morte àquele corrimão da ponte, já meio encoberto pelo vaivém de policiais, peritos criminais e muitos curiosos.

Ele percebeu que a presença dos populares era um descuido proposital dos agentes da lei. O local do crime fora totalmente violado. As pistas sumiram como a névoa daquele domingo.

Pelo delegado Carlo De Santos o advogado ficou sabendo o que todo mundo ali já sabia: pouco mais de seis horas da manhã, um caminhoneiro que cruzava a ponte, rumo ao terminal de cargas do porto de Onda do Mar, chocou-se com a cena macabra. Chamou a polícia.

O próprio delegado, cercado de inspetores e de dois auxiliares da perícia criminal foi o primeiro a identificar a vítima.

Aquela pequena lenda do alto submundo transviado de Realeza do Sul morrera sentindo que o mundo parava para que a sua vida se esvaísse em sangue. O tom do delegado foi quase solene. Soava como reconhecimento oficial da identidade da vítima:

- É ele. É o Darlington... Darlington PontLove.



Capítulo 70

RUMO A PALMARES


No momento em que o confronto teve aquele desfecho trágico, antes de entrar no carro que os afastaria da cena do crime, Tutti Bertucci enfiou a mão no bolso úmido da jaqueta de Darlington.

Encontrou o que queria: os negativos das fotos que ele mesmo batera na festa em que invadiu a privacidade da própria irmã, naquela já antiga e interminável primavera de Realeza do Sul.

Oficialmente, nunca se soube quem matou Darlington PontLove. Nem jamais se ouviu alguém perguntar quem, pelas redondezas, teria interesse na morte daquele que, só depois de morto, foi tratado pela sociedade como escroque, chinelão, chantagista metido a charmoso que não passou de um reles arremedo de um ladrão de casaca.

Frente a frente, cara a cara, nunca alguém tivera topete para lhe dizer isso ou qualquer coisa parecida.

Para a hipocrisia covarde de uma sociedade de lordes falidos, nada cai melhor do que a velha constatação: rei morto; rei posto! Para o espírito de porco de uma comunidade fingida talvez não haja um caso mais glorioso de vingança do que a morte de alguém que nos tenha causado perdas e danos.

Tutti Bertucci sentia o sangue morno do envelope nas mãos grudadas no volante da ampla e confortável camionete Simca Chambord que engolia a reta para Palmares. Era por ali que tratavam de fazer a vida. Quem sabe até, refazer a vida.

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